O Globo,
CD Review
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Estive na gravação do "Som Brasil" em homenagem ao Cartola - vai ao ar dia 31 de outubro, tarde paca, depois do Jô - e achei boas as versões no geral. Dos artistas escalados, porém, gostei especialmente do Pedro Moraes. Não era a primeira vez que o ouvia - assim que o conheci há uns dois meses pus o link pro MySpace dele aí do lado, na lista "Nos fones".
No programa, ele fez releituras ótimas de "Ensaboa" e "Peito vazio", sobretudo da segunda. Escrevi sobre numa reportagem publicada no Segundo Caderno no último sábado:
"Pedro Moraes faz um arranjo provocador que começa num sutil beatbox (bateria simulada com a boca) e cai num samba de roda rasgado. No fim, solta o verso 'Ensaboa, mulata, ensaboa'. Espalhadas pelos outros três palcos do cenário do 'Som Brasil', Teresa Cristina, Vanessa da Mata e Alcione cruzam timbres e sotaques (Rio, Mato Grosso e Maranhão) e respondem, em uníssono: 'Tô ensaboando'."
"Com formação instrumental inusitada, que unia trompa e acordeon, Pedro Moraes foi a surpresa e o destaque. Por "Ensaboa" e, principalmente, "Peito vazio". Sua versão abre com uma fanfarra para, abruptamente, ganhar um triste acento de (é possível?) samba portenho."
Depois da gravação, conversei com ele rapidamente sobre sua relação com Cartola:
- Cartola está no meu sangue desde antes de eu nascer. Meus pais se conheceram num samba. Eram músicos amadores, sempre cantaram muito Cartola. Ele educou meu afeto, minha capacidade de fazer música - avaliou, antes de explicar como se comporta ao reler a obra de Cartola. - Sou compositor, por isso procuro sempre respeitar letras, as notas. Ainda mais nesse caso, com um melodista sublime. Mas também trabalhei muito como intérprete, portanto procuro recriar as canções do meu modo. Recebi esse convite para o "Som Brasil" para mostrar a minha cara, por isso tentei trazer para as músicas a mesma densidade, os mesmos tipos de timbres, a mesma tensão do meu trabalho.
Naquele dia, recebi "Claroescuro", sua estréia, com 10 canções. Os pés estão fincados no terreno da tal MPB clássica, como notou Antônio Carlos Miguel em recente reportagem (a entrevista dele com Pedro está aqui). Sua música evoca de Milton Nascimento ("Incomunicável") a Edu Lobo ("Canção da despedida"). Passa por xote, samba, salsa, toada, sempre com o refinamento (comum) e a ousadia (rara) do território atual da MPB. Isso faz da sua obra (melodias, letras, timbres) - como ele mesmo declarou na fala acima sobre Cartola - um constante equilíbrio entre respeito e recriação. Pedro não cai. Belo disco.
10/13/08
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